terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Quase pra meia noite eu te conto esse segredo

 Desligarei as luzes, acenderei um cigarro, abrirei a geladeira e a luz fria vai denunciar minha face quente das lágrimas que caem, do nariz que escorre, do rubro ardente de raiva, frustração, medo e cativo me manterei. Pegarei uma cerveja - já será a décima - e sentirei com todas as forças a solidão com seu ar lânguido, mas peçonhento.

Comerei o resto do que era pra ser de amanhã, com a certeza que amanhã sentirei fome e não comerei, pois devorarei tudo nesse hoje numa ânsia de sentir-me cheio de algo e esquecerei que o futuro existe. Completarei o estômago, destruirei o fígado - ou qualquer coisa assim talvez. Não seria cômico se por ventura eu buscasse no escuro - quando a porta da geladeira já estivesse fechada - por uma faca afiada a fim de cortar os pulsos e encontrasse apenas facas desamoladas e sem serra? Eu tentaria da primeira vez e seria uma faca de passar manteiga, tentaria uma segunda vez e encontraria uma faca igual e então faria um desafio a mim mesme: Se a terceira fosse outra assim eu desistiria da ideia… E assim seria. Deitaria na rede um pouco frustrado e um pouco agradecido que o destino não quis me ajudar nesses atos irracionais e coçaria os pulsos com muita força apenas pra me lembrar que estou vivo e sinto dor.

Mas se eu voltar ao planejamento, eu abrirei a cerveja e acenderei outro cigarro, pois aquele já teria virado uma bituca afogada no cinzeiro úmido.

Sentarei no sofá e chorarei desconsolade, sendo observado pelos olhos estáticos de cada estatueta cristã naquele altar residencial. Elas não me dirão nada, nem moverão um trisco de suas faces levemente deformadas de trabalho artesanal. Afinal, são apenas suvenires da empresa que mais lucra com mentiras, apenas simbolismos de coisas que perderam o significado com o passar de 2023 anos, que em poucos minutos se tornarão 2024 anos.

Meu pulmão cansado de tantos cigarros, tentará alertar que não aguenta mais, mas eu acenderei outro. E escreverei votos de prosperidade e saúde aos outros, desejando quase nada de bom a mim em segredo.