sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Isabela

Ah... que criatura cruel é Bela. Pior que Capitolina de Dom Casmurro, Isabela tem olhos castanhos. Não sei se você me entende, mas, das cores que podem existir em olhos, a castanha é a pior. Fitá-los é o mesmo que tentar enxergar o final de um poço de profundeza imensurável, de conteúdo indecifrável. Não há nada pior que cair de cabeça naquele olhar e acordar atordoada, sem enxergar nada com clareza. O sorriso dela, de tão maroto e brilhante, confunde minha cabeça. E se não se chamasse Isabela, seria Pandora, pois posso não saber o significado dos olhares que ela derrama em mim, mas sei que estão cheios de curiosidade. O sorriso dela denuncia o quanto ela gosta de me conhecer… Mas será mesmo? Os olhos maduros e o sorriso de criança maltratam minha certeza sobre as coisas. O que sei mesmo é o quanto eu gosto dela. O quanto queria que os olhares significassem desejo, e os sorrisos significassem “vem cá”. Mas, quem sabe - quem sabe? - ela só seja cruel. E como uma cigana mesmo, me lança olhares dissimulados, só para me provocar, só pra me atiçar e me prender, nada além disso. Que no fim, para ela, só ser desejada já é suficiente. Ah, não faça isso, Bela… Minha pobre alma pede num grito. Felizmente, - infelizmente também -, grito de alma ninguém escuta. Que medo eu tenho de você me descobrir, mesmo tendo quase certeza que descoberta estou. Se não soubesses de mim, não me olharias assim… Tenho quase certeza disso, se tu fores realmente cruel.

Mas, ah... Bela… Se teu desejo por mim fosse real, fosse concreto, fosse além de curiosidade, meu coração encontraria a felicidade plena. Eu dançaria na escuridão dos teus olhos, como se estivesse num salão cheio de luzes coloridas. Eu beijaria tua cor, beijaria tua alma, beijaria teu sabor e beijaria teu cheiro. Bela, você não seria mais tão cruel, te juro. Eu te chamaria até de santa, se você me deixasse acender qualquer faísca, que me permitisse entender, ver, contemplar por pelo menos um segundo, o que teus olhos castanhos escondem. Porque, para falar a verdade, eu não consigo acreditar em crueldade numa criatura de sorriso tão doce.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Pro dia dos namorados não passar em branco

Parece que passou menos de um mês, você me encontrou na sexta. Olhou meus olhos pequenos e sorriu, tocou minha mão e me beijou. Me amou pela primeira vez na sua cama e me envolveu com teus olhinhos sonolentos. Não foi tão errado quanto eu insisti que era. De repente, já comíamos pastel juntos e, entre mordidas e beijos, você me sorria mais. Não parecíamos ir a lugar nenhum, caminhávamos meio distraídos, dormindo abraçados num sofá sujo, de vez em quando, sendo devorados por muriçocas e ouvindo - e cantando - músicas, que nenhum casal ouviria - e cantaria - junto.
Casal, éramos um casal. Quando percebemos, tínhamos caminhado quase sete mil e novecentos quilômetros de onde estávamos. Quando eu dei por mim, já conhecia seus pais, seus tios, seus sobrinhos e seus amigos. E numa quarta, no mesmo sofá sujo, você me chamou, oficialmente, pra te acompanhar nesse caminho que a gente já atravessava durante esse tempo (que parece de ontem pra hoje). E foi como se você me oferecesse mais uma mordida do chocolate que eu já estava comendo. Foi incrivelmente feliz. Foi como se você oferecesse, além da mordida, um brownie, um biscoito e uma bola de sorvete. E agora, definitivamente, somos um casal. Afinal, comemos sanduíches juntos, e não só sanduíches, tomamos sucos de caixa também, e, às vezes, pra me fazer um pouquinho mais feliz, comemos coisas que fazem mal à sua gastrite, mas não muito, por que eu me preocupo contigo. Essas coisas que casais fazem, nós fazemos muito bem.
Nós fazemos tão bem, que eu me permiti por ti. Deixei que você me visse encolhida, chorando pequenos espinhos. Aceitei, com receio, teu ombro. Foi lá, então, que encontrei a calma. Deixei que você me visse expandida, transbordando alegria. Vi o sorriso mais lindo saindo dos teus olhos e decidi ser feliz mais vezes para vê-lo com mais frequência.
E é isso, você é meu casalzinho. Meu par. Somos a fumaça e o vapor. Somos uma nuvenzinha flutuando no alto da sala. Olhando pra todo mundo com cara de sono e, às vezes, dormindo num sofá sujo.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Lua

Ela estava lá, deitada no cobertor negro.
Na primeira vez, sentada, oblíqua,
Já não tão jovem, indecente, de meia-luz.
Diminuiria até fingir sumir.
Adormecida no ventre do céu,
Despertava de pouquinho, tenra.
No primeiro quarto, acordou.
Debruçada, abençoava os amantes.
Seu brilho frio lambia as peles, arrepio.

E agora ela estava lá.
Deitada, corpo nu,
Completa, cheia de tudo.
Admirando-a, acabei enfeitiçada.
Tomei banho naquela luz,
Vi-me imersa.

E agora, cá estou
Meio boba, meia-noite
Enamorada da Lua.

Tarde de quinta

Ele abraçou meu corpo cansado,
Beijou meus lábios secos
Passou a mão em meus cabelos assanhados.
Sorriu de leve
Repousou seus olhos nos meus
Deu um pouco do tempo dele
E eu dei um pouco do meu.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Fumaça e vapor

Eram duas nuvens. Uma era fumaça, outra era vapor. A primeira vinha dum cigarro mal fumado, a segunda duma chaleira de porcelana. Encontraram-se casualmente, numa sexta bagunçada. A princípio não sabiam bem o que fazer, o chá e o tabaco também ainda estavam confusos, sem entender o que acontecia.
Numa dança leve, descontraída, depois de alguns dias, se comunicavam sem som. Aos poucos e imperceptivelmente se misturavam. O doce aroma do vapor de chá, simples, fresco, vívido e novo, mas com ares de antiquíssimo. A amarga baforada de fumaça, poluída, seca, vivida, angustiadamente triste, mas rebelde, dançante e inconstante. Os dois se viram iguais. Fluidos, aéreos, livres. Apenas se observavam, e se entrelaçavam, sem saber que dali se tornariam uma só nuvem amena, que permaneceria no alto da sala, suavemente alheia dos outros.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Sonhos

Chuva. Parecia chover lá fora. Remexeu-se na cama, mantinha seus olhos fechados. Lambeu seus lábios ressecados. Tentou retomar o sonho. O nó na garganta sufocava-a mais e mais. Apertava o travesseiro contra si com mais força. O sonho, queria o sonho. Tentava relembrar os detalhes. A claridão do quarto (estava mesmo claro? era mesmo um quarto?). Tons de laranja, vermelho e amarelo, era tudo que podia lembrar do sonho. E ele. Lembrava perfeitamente dele. O rosto dele. O contato das mãos. Nunca ficaria assim com ele. Nunca mais ficaria assim tão perto dele.
Ela andava numa sala, ou praça. Sentou-se num banco, ou num sofá, poderia até ser uma cama, só sei que sentou-se lá. Estava cansada, algo incomodava ela. Procurava no chão algo interessante que pudesse fingir observar. Ele se aproximava. O coração dela começava a pulsar mais forte. Ele sorriu, falou que estava com saudade, chamou-a pelo apelido. Conversaram sobre tantas coisas, sobre a vida, sobre como os amores iam mal. O namorado dele só queria fugir. A namorada dela só queria brincar. Riram das desventuras. Seguraram-se as mãos. Eles se entendiam. Ela olhou para ele. Ele olhou para ela. Estavam sincronizados dentro d’água e não perceberam. A falta de ar que sentiam, achavam que vinha por outro motivo. E era mesmo, pois naquela água eles podiam respirar. As cores atrás dele avisavam-na que estava entardecendo. Eles se aproximavam. E a cada milímetro a mais, tudo parecia menos nítido. Ele segurava seu rosto. Falou algo. O que ele tinha falado? Algo sobre não contar nada a ninguém, talvez. Ele deu aquele sorriso tímido. Fecharam os olhos. Ela conseguia ouvir o barulho do seu coração. O leve toque de seus lábios no dele. Um beijo. Ah, um beijo, finalmente. Lá ela poderia sentir prazer sem que houvesse culpa. Ninguém saberia. O cheiro dele preenchia suas narinas. Ela não queria sentir culpa, mas não conseguia se perdoar.
“Foi só um sonho”
Não conseguia se perdoar por ter sido apenas um sonho.
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Abriu os olhos com dificuldade. Lágrimas caíam sem parar. A realidade esmagava qualquer sonho que ela pudesse ter. Demorou algumas horas até dormir de novo. Acordou sem que houvesse sonhado nada dessa vez.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Gotas

Ela mergulhou naquele mar prata. Imersa, consumia o ar guardado nas bochechas e pulmão. Até onde poderia ir? Por quanto tempo? Todo o seu corpo estremeceu de curiosidade. E se deixou afogar. Dentro de sua mente, a imensidão se abria. Com nós na garganta, a noite engolia-a. Dificultosamente, entre lágrimas, o oceano vomitava espumas na areia. De longe gritavam seu nome, o som chegou numa onda surda. Aos poucos perdia sua solidez, dissipando-se de dentro para fora. Tornando-se mais um pedaço daquele mar.
Cada partícula sua agora começava a se acalmar. Num dia passado, longe deste universo, ela sonhara ideias de açúcar, com pessoas de algodão - como naquela música - e amores com cheiro de chá de capim santo, que lentamente não iam mais fazendo sentido algum. A água com sal diluía sua vida de pouquinho, começando pelas narinas e boca, descendo pela garganta, chegando aos pulmões cansados da fumaça de cigarros que ela não fumou.
A cor preferida dela era o azul, o animal favorito, o pássaro. Amava dias chuvosos e o aconchego de abraços carinhosos. Tinha um sorriso lindo, uma alma doce como seus sonhos e uma inquietude particular no coração.
Gritos, lágrimas e desespero preencheram aquela noite cheia de vazios. Antes que tudo fosse consumado, num sussurro inaudível, tudo o que era para ter sido dito outrora, foi, neste instante, proferido. E a praia, agora, tem o som tímido de declarações de amor.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Sinto muito.

E tu sabe o que eu sinto, moça? Sinto nada.
Aliás, sinto.
Sinto tua indiferença e teu ódio por todas as coisas que eu faço. Sinto tua paixão incondicional por mim também. Sinto tua repulsa e atração, teu tesão e tua frigidez. Sinto tua pena, teu orgulho, teu sofrimento e tua felicidade ao me ver. Sinto milhões de coisas tuas que me afetam e me corroem. E essas coisas tuas dissiparam todos os meus sentimentos, me arrancaram a casca e trituraram meu miolo.
Sinto também dor de cabeça. Enxaqueca. Febre, tontura, náusea. Irritação no estômago. Sinto o peso da responsabilidade por ter te cativado, raposa. Por ser tão difícil e cansativo te manter bem, não me restaram forças. E tuas lágrimas são minha culpa, eu sinto, teu sorriso, tua agonia e teu prazer também. Presa na pior gaiola, pássaro, assim como eu, prefere morrer. Debatendo-se, na angústia de se libertar. E uma vez que a gaiola abrir, pássaro não vai voltar. O alpiste de amor que tu dás, serve para forrar o estômago cheio de úlceras, mas não alimenta. Ele é suficiente para me manter viva, porém desnutrida.
E sinto a dificuldade que meu sorriso tem para abrir agora. E os abraços que antes eram confortáveis, agora só estranhos são. Horas mudas, por não se ter o que conversar. Beijos frios, por não ter o porquê de beijar. Mãos sozinhas e geladas.
Aparentemente, você não sente o mesmo.
É isso, moça, sinto muito.