quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Primeira Carta

Querido João, (é assim que se começa uma carta?)

Antes de tudo, eu sei que desapareci… Antes mesmo de adoecer, eu me deixei desaparecer… Eu sempre faço isso… Deixo as coisas seguirem rumos aleatórios e muitas vezes indesejados. Mas eu nunca me esqueci daqueles dias olhando para o céu e imaginando nossos anos de glória que ainda estavam por vir. Nunca me esqueci das cenas de musicais que contracenamos sem música. Nunca me esqueci do beijo que não deveríamos ter dado. E dos outros beijos que também não deveríamos ter continuado. Ou deveríamos.
Depois de um tempo pensando, eu percebi que o erro foi a poesia. Ela que corrompeu nossas almas e nos fez mais apaixonados por tudo, a arte que corria nos nossos sangues fez tudo intenso demais. Intenso demais. Perfeitamente intenso. A paixão pela música, fez a nossa trilha sonora ser a melhor trilha sonora. A paixão pela literatura, fez a nossa literatura ser a melhor literatura. A paixão entre nós, fez de nós perfeitos. Mesmo que paixão não tenha sido. ("Isso é o que eles querem que você pense")
Você sabe como você é complicado. Você é assim: tudo o que acontece ao seu redor pode estar certo, mas do nada tudo pode vir a estar definitivamente errado.
Como a gente, que uma hora era para ser para sempre e na outra era melhor que nunca tivesse sido.
Só nós sabemos da nossa ligação. De como, no dia que te conheci, algo em algum lugar brilhou, chacoalhou e cantou. E mesmo que agora façam alguns meses sem ter nenhum contato com você, eu sei que ter te conhecido foi a perfeição.
Peço que perdoe-me por ter desaparecido, eu tive medo de você não querer mais me ver. E o medo virou vergonha de ter parado de falar com você… E a vergonha virou medo de voltar a falar com você.
Peço que perdoe-me por desaparecer de novo.
Amo você. Fique bem.

"Caso você recebesse um prazo, como iria vivê-lo?"

Ela havia escrito cartas. Sentada no chão, envelopava cada uma com carinho singular. Delicadamente dobrava o papel branco e colava os selos. Hoje seria o dia que as estrelas a levariam para onde ela sempre pertenceu.
Lá fora nevava. “Será que elas vão conseguir vir me buscar nesse frio?”, pensava ela.
A caneca com chocolate quente fazia manchas circulares no soalho.
“Ainda bem que o natal já passou.”
Ela chorava de pouquinho.
Queria que as palavras tivessem movimento, que dançassem, que pudessem brincar de pega-pega e esconde-esconde, queria que elas cochichassem ao pé do ouvido, que tivessem cheiro e sabor… Mas, palavras precisam de cuidado, senão são tão frias quanto os flocos que caíam lá fora do céu.
Um rato cavocava a parede.
Ai ai ai...”, é sempre difícil se levantar sentindo dor. Ela se dirigiu à sua cama desarrumada e deitou-se com cuidado.
As cartas no chão cantavam baixinho, sem ela perceber.
Por alguns meses esquecida por todos, agora ela sabia que ninguém sentiria tanto a sua falta, quando o fim permanente chegasse.
O maior medo dela era do fim ser mesmo permanente.
A leve cantoria atraía as estrelas para mais perto, da janela observavam o lento adormecer da menina.
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Naquela noite, ninguém viu, mas surgiu mais uma estrela no infinito.