quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Sonhos

Chuva. Parecia chover lá fora. Remexeu-se na cama, mantinha seus olhos fechados. Lambeu seus lábios ressecados. Tentou retomar o sonho. O nó na garganta sufocava-a mais e mais. Apertava o travesseiro contra si com mais força. O sonho, queria o sonho. Tentava relembrar os detalhes. A claridão do quarto (estava mesmo claro? era mesmo um quarto?). Tons de laranja, vermelho e amarelo, era tudo que podia lembrar do sonho. E ele. Lembrava perfeitamente dele. O rosto dele. O contato das mãos. Nunca ficaria assim com ele. Nunca mais ficaria assim tão perto dele.
Ela andava numa sala, ou praça. Sentou-se num banco, ou num sofá, poderia até ser uma cama, só sei que sentou-se lá. Estava cansada, algo incomodava ela. Procurava no chão algo interessante que pudesse fingir observar. Ele se aproximava. O coração dela começava a pulsar mais forte. Ele sorriu, falou que estava com saudade, chamou-a pelo apelido. Conversaram sobre tantas coisas, sobre a vida, sobre como os amores iam mal. O namorado dele só queria fugir. A namorada dela só queria brincar. Riram das desventuras. Seguraram-se as mãos. Eles se entendiam. Ela olhou para ele. Ele olhou para ela. Estavam sincronizados dentro d’água e não perceberam. A falta de ar que sentiam, achavam que vinha por outro motivo. E era mesmo, pois naquela água eles podiam respirar. As cores atrás dele avisavam-na que estava entardecendo. Eles se aproximavam. E a cada milímetro a mais, tudo parecia menos nítido. Ele segurava seu rosto. Falou algo. O que ele tinha falado? Algo sobre não contar nada a ninguém, talvez. Ele deu aquele sorriso tímido. Fecharam os olhos. Ela conseguia ouvir o barulho do seu coração. O leve toque de seus lábios no dele. Um beijo. Ah, um beijo, finalmente. Lá ela poderia sentir prazer sem que houvesse culpa. Ninguém saberia. O cheiro dele preenchia suas narinas. Ela não queria sentir culpa, mas não conseguia se perdoar.
“Foi só um sonho”
Não conseguia se perdoar por ter sido apenas um sonho.
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Abriu os olhos com dificuldade. Lágrimas caíam sem parar. A realidade esmagava qualquer sonho que ela pudesse ter. Demorou algumas horas até dormir de novo. Acordou sem que houvesse sonhado nada dessa vez.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Gotas

Ela mergulhou naquele mar prata. Imersa, consumia o ar guardado nas bochechas e pulmão. Até onde poderia ir? Por quanto tempo? Todo o seu corpo estremeceu de curiosidade. E se deixou afogar. Dentro de sua mente, a imensidão se abria. Com nós na garganta, a noite engolia-a. Dificultosamente, entre lágrimas, o oceano vomitava espumas na areia. De longe gritavam seu nome, o som chegou numa onda surda. Aos poucos perdia sua solidez, dissipando-se de dentro para fora. Tornando-se mais um pedaço daquele mar.
Cada partícula sua agora começava a se acalmar. Num dia passado, longe deste universo, ela sonhara ideias de açúcar, com pessoas de algodão - como naquela música - e amores com cheiro de chá de capim santo, que lentamente não iam mais fazendo sentido algum. A água com sal diluía sua vida de pouquinho, começando pelas narinas e boca, descendo pela garganta, chegando aos pulmões cansados da fumaça de cigarros que ela não fumou.
A cor preferida dela era o azul, o animal favorito, o pássaro. Amava dias chuvosos e o aconchego de abraços carinhosos. Tinha um sorriso lindo, uma alma doce como seus sonhos e uma inquietude particular no coração.
Gritos, lágrimas e desespero preencheram aquela noite cheia de vazios. Antes que tudo fosse consumado, num sussurro inaudível, tudo o que era para ter sido dito outrora, foi, neste instante, proferido. E a praia, agora, tem o som tímido de declarações de amor.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Sinto muito.

E tu sabe o que eu sinto, moça? Sinto nada.
Aliás, sinto.
Sinto tua indiferença e teu ódio por todas as coisas que eu faço. Sinto tua paixão incondicional por mim também. Sinto tua repulsa e atração, teu tesão e tua frigidez. Sinto tua pena, teu orgulho, teu sofrimento e tua felicidade ao me ver. Sinto milhões de coisas tuas que me afetam e me corroem. E essas coisas tuas dissiparam todos os meus sentimentos, me arrancaram a casca e trituraram meu miolo.
Sinto também dor de cabeça. Enxaqueca. Febre, tontura, náusea. Irritação no estômago. Sinto o peso da responsabilidade por ter te cativado, raposa. Por ser tão difícil e cansativo te manter bem, não me restaram forças. E tuas lágrimas são minha culpa, eu sinto, teu sorriso, tua agonia e teu prazer também. Presa na pior gaiola, pássaro, assim como eu, prefere morrer. Debatendo-se, na angústia de se libertar. E uma vez que a gaiola abrir, pássaro não vai voltar. O alpiste de amor que tu dás, serve para forrar o estômago cheio de úlceras, mas não alimenta. Ele é suficiente para me manter viva, porém desnutrida.
E sinto a dificuldade que meu sorriso tem para abrir agora. E os abraços que antes eram confortáveis, agora só estranhos são. Horas mudas, por não se ter o que conversar. Beijos frios, por não ter o porquê de beijar. Mãos sozinhas e geladas.
Aparentemente, você não sente o mesmo.
É isso, moça, sinto muito.